Publicado originalmente no jornal O Popular. Clique aqui.
O ditado popular nos lembra que a justiça divina pode tardar, mas não falha. Em meio a um mundo marcado por guerras, intolerância, preconceito, miséria e fome, a esperança se mantém viva à medida que aprendemos e evoluímos como humanidade, passo a passo, guiados por gestos amorosos e palavras inspiradoras.
Quase uma década se passou desde um acontecimento que ecoou por nossa comunidade, gerando debates e sentimentos diversos. Quem se lembra quando o padre César Garcia, corajosamente, abençoou um casal homoafetivo? Na época, a ação que resultou em seu afastamento do altar católico e de suas funções na igreja, apesar do clamor de parte dos fieis. Como católica e amiga, questionei publicamente a decisão do clero de afastar um líder religioso por tratar com respeito, amor e igualdade aqueles que buscavam as bênçãos divinas, no que recebi respostas baseadas em normas eclesiais que só nos distanciam da Igreja.
Hoje, dez anos após esse episódio, testemunhamos uma mudança significativa neste cenário que tanto custou ao padre César, ao casal de amigos e tantos outros que se viram em situação similar. Mesmo que o silêncio ainda prevaleça em alguns sermões locais, o papa Francisco, em sua sabedoria, anunciou, em dezembro passado, que os padres da Igreja Católica estão autorizados a abençoar relacionamentos de casais do mesmo sexo.
O documento “Fiducia supplicans” não altera a doutrina tradicional da Igreja sobre o casamento, mas reflete a visão pastoral do papa Francisco em abrir a Igreja Católica para a diversidade. Em suas palavras, “Não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam e excluem.” A sua reflexão oferece uma contribuição específica e inovadora para o sentido pastoral das bênçãos, permitindo ampliar e enriquecer sua compreensão, de que não se nega uma bênção àqueles que a pedem.
A bênção, agora permitida pela Igreja, é um ato que já era realizado por parte dos párocos, e vem como uma oração, um pedido a Deus por proteção e favorecimento, um ato tão bonito, singelo e amoroso, como deveria ser a natureza da nossa relação com o divino. Como operadora do Direito, vejo essa mudança como mais um passo positivo em direção à inclusão e ao reconhecimento de diversas formas de amor na nossa sociedade, em mais um aspecto.
Lembro-me do avanço da legislação diante das transformações sociais, como a equiparação das relações homoafetivas às uniões estáveis entre heterossexuais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013, que obrigou a realização de casamentos homoafetivos em todo o país.
Embora não corrija o passado, o reconhecimento da Igreja Católica às uniões homoafetivas traz esperança de um mundo mais inclusivo e justo. Como fiel e cidadã, sinto-me satisfeita por ver a evolução nas atitudes da Igreja, demonstrando que, assim como a justiça divina, a dos homens também pode trilhar o caminho do entendimento e aceitação.
Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza aposentada, advogada de Família e presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos dos Idosos do IBDFAM