Publicado originalmente no jornal O Popular (clique aqui)

Começamos fevereiro com a notícia triste do falecimento da jornalista Glória Maria, uma mulher que deixa seu nome na história do Brasil a partir do seu exercício profissional, seu estilo único de noticiar e sua presença por 50 anos na telinha das residências brasileiras.

Mas para além dos tabus quebrados por esta profissional única da televisão, também faleceu a mãe Glória Maria, deixando duas filhas ainda adolescentes. A orfandade delas se tornou preocupação de uma legião de amigos e fãs.

Mãe solo, ela adotou Laura e Maria ainda pequenas e mudou a sua vida a partir deste encontro com a maternidade. Falou diversas vezes de como suas meninas a proporcionaram um outro olhar para o mundo. Mudou a rotina, construiu outro tipo de castelo e se dedicou à educação delas.

Mas em 2019 começou a encarar o fato que marca a vida de todos nós: a possibilidade da morte. E ela não poupa nem pais, nem mães. E a sabedoria da mulher que guardava recordes de viagens pelo mundo, de tantas primeiras vezes, não faltou para ela, que bem antes disso já tinha escolhido tutores para se responsabilizarem pela educação das filhas até que as mesmas se tornem adultas.

Esta deveria ser uma preocupação de todas as famílias, sejam elas formadas por mães e pais solos ou por casais. A morte é destas fatalidades que deixamos de falar como se isso a afastasse da nossa trajetória. Mas planejar a partida é um gesto de carinho com quem fica.

A nomeação de tutores está prevista no Código Civil e deve ser feita pelos pais mediante testamento ou qualquer outro documento autêntico. Caso os pais não o façam em vida, a responsabilidade passa a ser de um juiz que decidirá a tutela a partir da nomeação de um familiar mais próximo. O tutor passa a ser responsável pela criação da criança ou adolescente até que se torne adulto e, caso existam bens, também será responsável pela administração destes.

Então, quando pensamos na tutela, devemos escolher pessoas próximas, conversar com elas e compartilhar o desejo de nomeá-las como responsáveis pela criação dos filhos em caso de falecimento. Penso que apesar de ser uma tarefa difícil, é a melhor forma de lidar com o futuro, prevenindo, escolhendo quem já faz parte da vida daquela criança.

Se deixamos para que a Justiça decida algo tão íntimo, corremos o risco de que não sejam consideradas questões que vão para além da árvore genealógica. Quem realmente faz parte da vida da nossa família, quem convive, quem tem afinidade e quem se disporia a cuidar dos nossos filhos na nossa ausência? O que Glória Maria fez é um último gesto de amor para com suas meninas.

Em um livro de crônicas, o escritor Fabrício Carpinejar discorre sobre a morte e seus impactos. Em uma delas escreveu assim: “Ninguém será lembrado pelo que morreu, mas pela postura que escolheu para viver.” Esta frase pode representar muito bem Glória Maria, mas as suas escolhas post mortem também serão lembradas por aquelas que mais sentirão sua falta: suas filhas. Foi o cuidado dela que garantiu que suas meninas tivessem segurança financeira e judicial para continuarem com suas vidas após a sua morte.

Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza aposentada e advogada