Maria Luiza Póvoa Cruz

Quando pensamos nas famílias e nas suas obrigações nos cercamos de preocupações com as crianças e os jovens, mas há no vínculo familiar outras responsabilidades que, muitas vezes, são relegadas e até desconhecidas. Nas situações de abandono ou de ausência dos pais, os filhos podem contar com os avós durante o seu crescimento para que sejam assegurados seus direitos básicos, como saúde e educação, e seu desenvolvimento socioemocional, tendo os avós responsabilidade legal sobre os netos. Mas e no inverso? Quem se responsabiliza pelos pais e pelos avós quando estes, na velhice, precisam tanto de assistência material quanto moral?

A relação de cuidado de pais e avós com os seus filhos e netos prevê reciprocidade ao cuidado e solidariedade. Consideramos que o núcleo familiar é construído a partir de relações de afeto e, neste sentido, é esperado o cuidado entre os membros de uma mesma família. Então, em dois extremos da nossa sociedade e dentro do Direito das Famílias, no Brasil, temos o abandono de crianças e também de idosos. Ambos acontecem em um momento de fragilidade e de falta de autonomia de uma das partes. E são cruéis e devastadores, colocando em risco seres humanos, e um passo atrás no processo civilizatório.

No caso dos avós, o Estatuto do Idoso assegura às pessoas com mais de 60 anos proteção e garantia do envelhecimento sadio e digno com acesso a todas as formas de assistência, seja ela pessoal, física ou social. Parte desta responsabilidade é do poder público e da comunidade, outra parte é da família, que deve amparar moralmente e financeiramente seus idosos. E isso não significa apenas garantir sua sobrevivência, muitas vezes já garantida pela aposentadoria ou por um serviço social, como as instituições de longa permanência, mas também o direito ao afeto, à convivência e à sua própria dignidade.

Temos no Brasil hoje cerca de 32,9 milhões de pessoas com mais de 60 anos, segundo o IBGE. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 15,7% da população idosa no Brasil está submetida a algum um tipo de violência, incluindo o abandono e a negligência.

Quantos destes avós são privados da convivência com seus netos e bisnetos, quantos foram arrimo de suas famílias e hoje estão abandonados ou ainda garantem o sustento dos seus sem que sejam cuidados ou respeitados? Pra isso não temos estatísticas, mas basta olhar para o lado, seja na fisionomia dos que vivem em situação de rua, muitos com mais de 60 anos, ou nos pedidos recorrentes dos chamados asilos por ajuda em sua manutenção.

Onde estão os filhos e os netos destes avós que, no auge de suas vidas, são esquecidos por seus herdeiros? É preciso saber que a família é uma instituição com responsabilidades compartilhadas e que cabe a cada um o cuidado com o outro, dentro da linha histórica do tempo. Para a lei, seja na Constituição ou o Estatuto do Idoso, os avós não devem ficar só nos porta-retratos ou nos nomes que carregamos em nossos documentos pessoais. Eles também são nossa responsabilidade, de afeto solidário e de cuidado responsável. São eles que garantiram nosso acesso à sociedade e somos nós que devemos garantir que eles usufruam da velhice com plenitude e segurança.

Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza aposentada e advogada