O nome de Maria Berenice Dias só não é mais forte que o legado já deixado por esta gaúcha de Santiago para a construção de uma cultura de paz e respeito à diversidade humana e sexual dentro e fora do Brasil. Filha e neta de desembargadores, a hoje advogada Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada no Rio Grande do Sul, viveu ela própria uma história de luta pessoal contra a discriminação de gênero. Foi a primeira mulher a ingressar na magistratura no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Conta, em entrevista exclusiva à esquipe de comunicação do Escritório MLPC e Advogados Associados, que sofrera preconceito em seu ofício por ser mulher. “Fui muito discriminada por ter sido a primeira mulher a entrar na magistratura no Rio Grande do Sul. Me doeu muito ter sido alvo de tanta discriminação pelo fato de ser mulher”, disse. Maria Berenice é considerada hoje uma das principais lideranças intelectuais no País em torno do reconhecimento dos direitos da população homossexual e grande estudiosa e especialista do Direito de Família. É autora da primeira obra no Brasil que tratou dos aspectos legais das uniões de pessoas do mesmo sexo. Antes de vir a Goiânia, esta semana, onde ministra, no dia 6, ao lado do colega presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), Rodrigo da Cunha Pereira, a conferência de abertura do 3º Congresso Goiano de Direito de Família, Maria Berenice falou com nossa equipe. Na entrevista, faz críticas à postura homofóbica da bancada evangélica no Senado e defende a criminalização como instrumento inclusive pedagógico contra a homofobia. Confira trechos da entrevista concedida pela advogada.
MLPC – Experimentamos nos últimos anos e mais recentemente extraordinário avanço no reconhecimento à diversidade sexual no Brasil e na garantia de direitos da população homossexual. Quais são atualmente os principais desafios, ainda, nesta área para que estas garantias sejam de fato efetivadas?
MB – Precisamos ter leis no Brasil. No Judiciário os direitos vêm sendo reconhecidos de uma maneira de muito vanguardismo. O Executivo também faz a lição de casa quando promove políticas públicas, quando tem uma preocupação neste sentido. Mas o que nós precisamos mesmo é ter uma legislação para garantir direitos, para que as pessoas não precisem recorrer ao Judiciário para ter estes direitos reconhecidos. Precisamos de uma legislação para se criminalizar a homofobia, algo que é muito perverso. E a Justiça não pode criminalizar porque não há uma lei que prevê isso no Brasil, ainda. O que nós vemos, ao contrário, é um avanço assustador desta chamada bancada evangélica no Senado, em que pastores conseguem, por influência de suas religiões, serem eleitos, e passam a articular, a orientar determinados meios de comunicação, geram esse fanatismo nas pessoas. A maneira que estes pastores têm de unir as pessoas, muitas vezes, é mais pelo ódio do que pelo amor. Eles pregam o ódio aos homossexuais. Se escondem atrás de falsas citações bíblicas, de uma falsa palavra de Deus, criam um palco para garantir a sua permanência no poder. É o que eles querem: permanecer no poder, garantir sua próxima eleição. E confiam no discurso conservador, que é com o qual as pessoas se sentem mais confortáveis, deixando as coisas como estão. E é fácil bater no segmento dos homossexuais. É fácil porque eles encontraram uma parcela da população vulnerável, a mais vulnerável que existe. São pessoas que não têm o apoio nem da família. Não tem voz , não tem vez, são ridicularizados, não são ouvidos, são desrespeitados na família, na escola, no trabalho. Portanto, fica fácil bater em quem é frágil. Portanto, precisamos avançar muito em nossa legislação. Por isso defendemos a proposta do Estatuto da Diversidade Sexual, elaborado pela Ordem dos Advogados do Brasil junto com os movimentos sociais.
MLPC – Na sua avaliação, mais que omisso, o Poder Legislativo tem contribuído de forma negativa neste processo, atrasando e dificultando os avanços?
MB – Sim, muito. Estas pessoas no congresso, que pregam o ódio desta maneira, podem ser processadas, deviam ser processadas pelas famílias das vítimas, que deveriam pedir danos morais contra esse segmento religioso que não avança, não aprova as leis e utiliza, para isso, o argumento puramente de origem religiosa.
MLPC – E o fato de o Legislativo não ter avançado acabou deixando o Judiciário à deriva, por muito tempo, até que decisões mais vanguardistas começassem a mexer profundamente com esta temática, certo?
MB – Sim, porque assim como existe homofobia na sociedade, também existe homofobia no âmbito do Poder Judiciário. Durante muito tempo, esse segmento – dos homossexuais – ficou excluído do reconhecimento do Direito. Apenas há uma década – e isso é muito pouco tempo – é que os homossexuais começaram a ter seus direitos reconhecidos no Brasil, graças a uma Justiça mais independente.
MLPC – Para além das questões penais, a senhora considera que a aprovação da criminalização da homofobia pode ser um marco inclusive social no Brasil, contribuindo para uma nova visão em relação à diversidade sexual?
MB – Considero que esta aprovação seria muito significativa. Mas veja que não adianta só criminalizar. É preciso assegurar direitos. Evitar que a população precise fazer uso do Poder Judiciário para ter seus direitos reconhecidos. Como não temos uma lei, as pessoas precisam se valer da Justiça. Mas é importante que as pessoas tomem consciência de que discriminar homossexual é crime. Uma lei neste sentido teria um caráter pedagógico, mesmo.
MLPC – E o que mais pode funcionar para uma mudança de paradigmas, para que haja maior respeito à diferenças?
MB – Os movimentos sociais têm um papel fundamental na conscientização da população e os meios de Comunicação, também. Levar essa discussão, os avanços que acontecem em todas as esferas, é algo que um e outro fazem muito bem. Eles oferecem uma contribuição muito significativa, porque o assunto acaba sendo levado para o seio da sociedade para ser discutido.
MLPC – O que as pessoas que participarão do 3º Congresso Goiano de Direito de Família podem esperar da sua conferência?
MB – O que eu pretendo levar para Goiânia é a discussão sobre a mudança na sociedade com referência ao conceito de família. Do modelo tradicional, formado pelo casamento entre homem e mulher, os filhos, todos juntos até que a morte os separe, para novos modelos. Não se fala mais em família, mas em famílias no plural. Famílias sem casamento, só de irmãos, de homossexuais, poliafetivas. E todas são famílias. À medida em que nos conscientizarmos que estas famílias existem, isso gerará uma responsabilidade ética. Nós temos que viver num mundo ético. Se as pessoas vivem de determinada maneira, elas têm que se responsabilizar por esta forma que elegeram, que escolheram viver.
MLPC – O que a motiva, no dia a dia, a disseminar esta cultura de inclusão e de respeito às diferenças?
MB – Resolvi dedicar minha vida à Justiça. Sou magistrada. Sou magistrada aposentada, mas sempre magistrada. Não consigo ser juíza para um e não ser para todos. Esta é uma responsabilidade muito grande ao operador do Direito como um todo. Me sinto nesta obrigação. Fui muito discriminada na magistratura, por ter sido a primeira mulher a entrar na magistratura no Rio Grande do Sul. Me doeu muito ter sido alvo de tanta discriminação pelo fato de ser mulher.
PERFIL
Maria Berenice Dias é advogada especializada em Direito Homoafetivo, Direito das Famílias e Sucessões. Foi a primeira Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido a primeira mulher a ingressar na magistratura gaúcha. É vice-presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – Ibdfam, do qual é uma das fundadoras. É presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, pós-graduada e mestre em Processo Civil pela PUC-RS. Lidera um movimento nacional para criação de Comissões da Diversidade Sexual ligadas à OAB e que estão sendo criadas em todo Brasil.
Livros publicados (*)
Manual de Direito das Famílias
Manual das Sucessões
A Lei Maria da Penha na Justiça
União Homoafetiva – O Preconceito e a Justiça
Homoafetividade: o que diz a Justiça!
O Terceiro no Processo
(*) Participa ainda de dezenas de obras coletivas.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Escritório MLPC e Advogados Associados