Publicado originalmente no portal Rota Jurídica (clique aqui).
Ficar em casa nos últimos dois anos por causa da pandemia do coronavírus trouxe prejuízos para toda a sociedade, mesmo que fosse a solução exigida para a contenção dos casos e das mortes por Covid-19. Mas enquanto a medida sanitária protegia a sociedade do avanço da doença, o isolamento agravou os casos de violência doméstica e de abandono das pessoas idosas. Distante das estruturas sociais, os idosos ficaram ainda mais desprotegidos, uma epidemia silenciosa em todo o Brasil.
No final de 2020, primeiro ano de pandemia, o número de denúncias no Disque 100 de violações aos direitos humanos contra pessoas com 60 + foi 53% maior que em 2019. No total, foram 48,7 mil registros de ligações recebidas pelo dispositivo do Governo Federal. O número assustador ainda assim é menor do que a angústia e o abandono destas vítimas.
Na contramão do êxito social que é aumentar a longevidade das pessoas está a não garantia de qualidade de vida e de segurança para quem envelhece. É como estar no topo do pódio por ter sobrevivido aos anos e aos desafios da vida em sociedade e perder a relevância para todos os atores sociais.
A longevidade da população brasileira aumenta ano a ano. Dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a expectativa poderia chegar a 76,8 anos no Brasil, não fosse a crise de mortalidade causada pela Covid-19. Este aumento dos velhos na sociedade traz desafios para a família, para a sociedade e para os responsáveis pelas políticas públicas.
No próximo ano, o Estatuto do Idoso completará 20 anos e traz em sua essência a garantia dos direitos fundamentais às pessoas com mais de 60 anos, como saúde, alimentação, educação, cidadania, liberdade e dignidade.
Mas enquanto as palavras se tornaram conhecidas de toda a sociedade, a realidade destas pessoas ainda está longe do que prevê a Lei 10.741. O abandono, a fome, a violência física e emocional, o isolamento e a falta de acesso ao básico, como vacinas, atendimento médico, remédios e a própria aposentadoria são rotina no nosso país.
O que falta para nós, enquanto sociedade, que não permite assegurar àqueles que nos antecederam e que vivem agora o futuro, que deverá ser o nosso, qualidade de vida e segurança, em tempos pandêmicos ou não? É urgente pensar que somos responsáveis por cada caso envolvendo idosos vítimas de violência, porque eles são nossos pais, nossos avós, nossos tios e também nosso espelho.
É preciso que a sociedade enxergue as pessoas com mais de 60 com todas as suas singularidades e necessidades. Que ofereça a nossos idosos uma rede de apoio, baseada em serviços de qualidade e com competência para identificar situações de vulnerabilidade e violência, sejam as causadas por suas famílias, pelo entorno ou mesmo pelo poder público. Assim como as nossas crianças, os idosos também são o nosso futuro. Um garantirá a nossa continuidade; o outro é exatamente o que antecede a nossa chegada.
Redes estruturadas com assistência social, atendimento à saúde, acesso à informação e aos serviços públicos gratuitos são primordiais para os velhos, assim como visibilidade para suas necessidades, para suas expressões e também para aquilo que eles dizem e pensam.
Neste dia 15 de junho celebra-se o Dia Mundial da Consciencialização da Violência contra a Pessoa Idosa. Mas, mais do que conscientizar, precisamos urgentemente combater essa violência e sanar esta epidemia.
*Maria Luiza Póvoa Cruz é presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ibdfam e presidente do I Congresso Nacional do Idoso, do Ibdfam