Publicado originalmente no jornal O Estadão (clique aqui).

Isolamento contra a vontade promovido por parte dos filhos ou curador tem se tornado mais comum. Tribunais têm aplicados princípios previstos na lei de alienação parental

Durante cinco anos, uma empresária de 54 anos, de Sorocaba (SP), ficou sem ver a mãe de 87, moradora da capital, porque as duas irmãs que cuidavam da idosa sempre criavam obstáculos à sua visita. Em julho, ela foi chamada para o velório da mãe, que adoeceu e morreu sem que ela soubesse. A idosa foi vítima de alienação parental em relação à filha caçula. Especialistas apontam que a alienação parental inversa, quando envolve idosos, tem se tornado cada vez mais comum no Brasil.

O termo surgiu em analogia à Lei 12.318/2010, que trata originalmente da relação das crianças ou filhos menores e incapazes com os pais. “É bem mais comum do que imaginamos que uma pessoa idosa seja isolada por um dos filhos ou curador contra a sua vontade e privada do convívio com parentes, amigos e até mesmo de um cônjuge ou filho”, diz a juíza aposentada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

No caso previsto em lei, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida por um dos pais ou avós, ou pessoa que tem sua guarda, para que repudie o outro genitor ou não mantenha vínculos com ele.

Estatuto do Idoso, de 2003, não aborda a alienação parental contra pessoas acima de 60 anos, mas a legislação é usada pelos juristas por analogia, já que a prática provoca danos à saúde emocional e psicológica dos idosos.

Conforme Maria Luiza, tanto os tribunais estaduais como os superiores têm entendido que a lei que trata da alienação parental pode ser requisitada em casos semelhantes envolvendo idosos.

“Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010, e tem sido aceita pelos tribunais em práticas dessa natureza praticadas contra pessoas idosas.”

População idosa no Brasil tem crescido

Com o crescimento da população idosa, a questão ganha mais. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2050, cerca de 22% da população mundial terá mais de 60 anos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões, alta de 56% ante 2010, quando era de 20,5 milhões. Outro dado do instituto aponta que 2,5 milhões de mulheres brasileiras deixam de trabalhar para cuidar de parentes, sobretudo idosos.

Conforme a presidente do Ibdfam, esse envelhecimento faz com que mais pessoas se mantenham ativas por mais tempo, o que muda significativamente as estruturas familiares.

“E cada vez mais idosos integram a renda que compõe os orçamentos familiares, sobretudo das camadas mais vulneráveis da população. Isso pode levar a práticas de isolamento do idoso por um ou mais filhos em relação aos demais”, disse.

Segundo ela, é cada vez mais comum a situação em que filhos passam a administrar o patrimônio de pais idosos que estão com a saúde física e a higidez mental abaladas.

“Porém, essas pessoas não estão interditadas, mas ainda assim se veem nessa condição. Em muitos casos, pouco desse recurso chega à casa dos idosos e, nessa etapa da vida, as despesas com saúde e outros suportes necessários são enormes. Essa realidade, também, desencadeia conflitos familiares, que podem resultar em casos de alienação parental”, disse.

Para a advogada Amanda Helito, especialista em Direito de Família e Sucessões, as decisões judiciais com o fim de proteger idosos de condutas ou atos de alienação parental se tornam mais comuns, na medida em que o tema ganha destaque nos debates sociais e meios de comunicação.

Segundo ela, embora ainda não se fale em jurisprudência firmada em relação idosos, o que tem se verificado é uma tendência do Judiciário de aplicar de forma análoga à Lei de Alienação Parental em casos de atos alienatórios praticados contra essas pessoas.

“Há casos em que os atos de alienação parental têm sido interpretados pelos tribunais como maus-tratos, considerando a ausência de previsão legal de alienação parental praticada contra pessoa idosa”, afirma a advogada. A Justiça tem entendido que a convivência familiar é direito básico do idoso e não pode ser obstada sem causa justa.

‘Afronta à dignidade’

Em dezembro de 2022, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade conceder a um homem o direito de visitar sua mãe de quase 90 anos, mantendo a sentença de 1º grau que já tinha sido favorável ao filho.