Originalmente publicado na Revista Proteger

O isolamento social é uma das principais estratégias para reduzir a disseminação do patógeno COVID-19, o novo coronavírus (SARS-CoV-2). Há comprovações em todo planeta de que a estratégia é positiva, no entanto, segundo o portal da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, esse isolamento social tem causado alguns efeitos negativos, incluindo o aumento da violência contra idosos, crianças, adolescentes e mulheres.

‌Dentro desse grupo de vulneráveis, a violência contra o idoso ganhou uma proporção lastimável, de acordo com o Portal G1, em 2020. Já durante a pandemia, o número de denúncias de violência e de maus tratos contra os idosos cresceu 59% no Brasil. Entre março e junho do ano passado foram 25.533 denúncias. No mesmo período de 2019, foram 16.039. Como proteger nossos idosos da violência que acontece dentro de casa, no âmbito do seio familiar?

‌Dados da Organização Mundial das Nações Unidades (ONU) informam que a população mundial estimada de idosos seja de 629 milhões de pessoas. Se esse ritmo acelerado se mantiver, em 2050, o número de pessoas idosas será maior do que a quantidade de crianças abaixo dos 14 anos, cerca de 2 bilhões de idosos, ou seja, 2% da população mundial. População que, em geral, já está fora do mercado de trabalho, mas tem recursos financeiros garantidos por lei. No Brasil, 20% dos lares têm na pessoa idosa a principal fonte de renda da família. No caso dos vulneráveis, esse fato o torna ainda mais suscetível à violência doméstica.

‌A violência contra o idoso pode ser definida como “um ato único, repetido ou a falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento em que exista uma expectativa de confiança que cause dano ou sofrimento a uma pessoa idosa”. O regramento legal que protege essa população tem como base o Estatuto do Idoso, estabelecido já 18 anos através da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, que prevê punições para os crimes cometidos contra idosos, assim como a garantia de condições mínimas de tratamento com dignidade para essa população. E este foi construído no alicerce da Constituição Federal, de 1988, que em seu artigo 230 define ser “dever da família, do Estado e da sociedade zelar pelo idoso, amparando-o e assegurando a sua participação na comunidade, defendendo a sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida”.

‌Segundo o Ministério da Saúde, são vários os tipos de violência cometidos contra idosos no âmbito da família. a mais comum é a negligência, quando os responsáveis pelo idoso deixam de oferecer cuidados básicos, como higiene, saúde, medicamentos, proteção contra variação do tempo. O abandono vem em seguida e é considerado uma forma extrema de negligência. Acontece quando há ausência ou omissão dos familiares ou responsáveis, governamentais ou institucionais, de prestarem socorro a um idoso que precisa de proteção.

‌A violência física e caracterizada quando é usada a força para obrigar os idosos a fazerem o que não desejam, ferindo, provocando dor, incapacidade ou até a morte. A violência sexual ocorre quando a pessoa idosa é incluída em ato ou jogo sexual, com objetivo de obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência ou ameaças.

‌A psicológica ou emocional é a mais sutil das violências. Inclui comportamentos que prejudicam a autoestima ou o bem-estar do idoso, entre eles, constrangimento, destruição de propriedade ou impedimento de que estejam com amigos e familiares. E, por último, a violência financeira ou material, que é a exploração imprópria ou ilegal dos idosos ou o uso não consentido de seus recursos financeiros e patrimoniais.

‌Todo a problemática enfrentada por essa população inclui também as precárias condições de vida que a maior parte dos idosos no Brasil tem que enfrentar por conta de ínfimas pensões e aposentadorias, que são insuficientes para suprir as necessidades essenciais à sua subsistência, principalmente quando tais recursos, muitas vezes, são a única fonte de renda de toda família.

‌Toda e qualquer proteção oferecida aos idosos, seja do ponto de vista, legal, constitucional ou social parte do princípio da informação. Apesar da mentalidade utilitarista da sociedade que os marginaliza, o valor legal do idoso é reconhecido, no Brasil, por meio do ordenamento jurídico. São pessoas que contribuíram, e ainda podem contribuir, para a construção de uma sociedade solidária e justa. Mas é necessário que estejam informados e que toda a sociedade tenha ciência e coloque em prática o que se preconiza na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso. Todos os caminhos possíveis para a construção de uma rede de proteção eficiente passam por essas duas cartas legais.

‌A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou, em dezembro de 2020, o período de 2021 a 2030 como Década do Envelhecimento Saudável. O objetivo é encorajar ações internacionais para melhorar a vida dos idosos, suas famílias e comunidades, tanto durante a pandemia de COVID-19, como depois disso. A saúde é fundamental para se ter experiências na velhice. O Brasil precisa sair da inércia em relação aos seus idosos e fazer parte das ações internacionais que promovem o bem-estar dessas pessoas. Temos capital humano para tanto, precisamos de incentivo.

‌Embora haja leis visando a proteção aos idosos e que o Estado também possui consigo um papel primordial de garantidor destes direitos Acima de tudo, o que se precisa de fato é a conscientização dos indivíduos no que se refere aos cuidados com os mais velhos. O Brasil precisa de uma sociedade participativa, contribuindo para diminuição das desigualdades e discriminações sociais de toda ordem.

Maria Luiza Póvoa Cruz

Juíza aposentada, advogada, presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família em Goiás (IBDFAM) e sócia-fundadora do escritório MLPC e Advogados Associados.