Publicado originalmente na Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo (clique aqui)

Foi em uma reunião na sede da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) que nasceu a Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do IBDFAM. Naquela ocasião, de forma unânime e muito amorosa, todos os presentes elegeram o querido professor Zeno Veloso como patrono do grupo de trabalho que estava sendo constituído a partir dali. Não por acaso.

Como presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do IBDFAM, muito me honra o convite da AASP para contribuir com esta tão importante homenagem que a Revista do Advogado faz ao professor Zeno Veloso. Sua partida, em março deste ano, deixou em todos nós, admiradores de suas teses e de sua forma de ver o mundo, um vazio imenso, por um lado, mas também uma gratidão, ainda maior, por termos tido o privilégio de dividir com ele essa existência.

Grande entusiasta que sou dos assuntos afetos ao envelhecimento, não era raro trocar impressões e informações com o professor Zeno sobre essa parcela da população, da qual ambos já fazíamos parte, e que demandam, cada vez mais, estudo, proteção e, especialmente, um olhar despido de preconceito e discriminação. Em vida, nosso Zeno Veloso nos guiou justamente nesse caminho.

E é por isso que para essa edição da REVISTA DO ADVOGADO optei por abordar um tema ainda controverso na jurisprudência brasileira, sobre o qual Zeno Veloso sempre buscou jogar luz: o regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas com 70 anos ou mais, previsto no art. 1.641, inciso II, do Código Civil. O jurista defendia a inconstitucionalidade do referido dispositivo e sua exclusão da legislação brasileira por considerar que a norma atenta contra a vontade do idoso, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Para ele, era como reconhecermos uma “semi capacidade” da pessoa em escolher livremente o regime de bens que deseja para o seu casamento, tendo como critério única e exclusivamente a sua idade.

“A intervenção do Estado, no caso, era excessiva, privilegiando o aspecto patrimonial em detrimento do existencial, invadia um espaço que a autonomia privada devia regular, e percebi que a desconfiança ou a suspeita de que o interesse econômico era o que levava alguém a se casar com pessoa idosa não devia chegar ao extremo de uma generalização, praticamente, a uma presunção de má-fé, impedindo que os interessados, pessoas adultas, capazes, com base em sua liberdade e de acordo com suas vontades, escolhessem o regime matrimonial que lhes aprouvesse”, afirmou o professor Zeno Veloso em artigo publicado na Edição nº 20 da Revista do IBDFAM ao expor sua análise sobre tal dispositivo legal, deixando clara sua opinião, de que tal artigo atenta contra princípios e valores constitucionais.

“Integro a corrente dos que não abonam a imposição do regime de separação obrigatória no casamento de pessoas maiores de setenta anos (aliás, é uma faixa etária na qual se encontra o autor destas linhas…!). No mundo em que vivemos, no estágio em que se encontra nossa sociedade, o art. 1.641, inciso II, do Código Civil deve sair de nossa legislação. A disposição precisa ser revogada. É despropositada, desarrazoada. Está maculada com a eiva da inconstitucionalidade”, afirmou Zeno Veloso no mesmo artigo. A legislação brasileira também não admite a fixação de pacto antenupcial que estabeleça por outro regime de bens e nem alteração do regime após o casamento.

Comungo da opinião do professor Zeno Veloso, de que tal dispositivo traduz uma visão altamente preconceituosa de nossa sociedade para com os mais velhos.

Convidada a debater aspectos do envelhecimento humano no curso da pandemia de Covid-19, em alguns eventos on-line, tenho defendido a necessidade de desenvolvermos um olhar diferente para essa parcela da população. Resguardados os direitos conquistados pelas pessoas com mais de 60 anos no Brasil, e que devem ser resguardados, garantidos e efetivados, devemos, por outro lado, compreender que a idade cronológica não deve ser um parâmetro único, absoluto para definir quem é velho ou não. E se essa é uma realidade atual, será, ainda mais, nas próximas três décadas, quando a pirâmide etária no Brasil mudará sua configuração.

Se hoje somos em torno de 10% da população, em três décadas, seremos 30%. Ou seja, 1 em cada 3 brasileiros terá mais de 60 anos. Estudo divulgado este ano pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) revela que 75% dos idosos no Brasil contribuem com pelo menos a metade do orçamento das famílias. Se nossos idosos são tão produtivos e tão fundamentais para a sustentabilidade de suas famílias, porque não seriam capazes de escolher o regime de bens em caso de um novo casamento?

Pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia mostra que a solidão é o maior medo das pessoas com mais de 60 anos no Brasil. Desejar dividir a vida com outra pessoa, seja pela primeira vez ou mesmo após uma separação ou viuvez torna-se uma condição cada vez mais comum para pessoas que têm, felizmente, vivido mais e com maior qualidade de vida. E escolher como se quer dividir não só o afeto, mas também o patrimônio tem a ver com preservação da dignidade e autonomia da pessoa humana.

Ao olharmos para o passado, percebemos o quanto a idade cronológica continua a ser utilizada – e a meu ver de forma equivocada – pelo legislador como parâmetro para a definição de vontades e o exercício pleno da cidadania. O Código Civil de 1916 estabelecia como obrigatório o regime da separação de bens em caso de casamento de homens com mais de 60 anos e mulheres com mais de 50 anos. Uma situação absolutamente absurda, que o recorte de gênero tornava ainda mais inacreditável. Mas, igualmente inaceitável que o Código Civil de 2002 mantenha dispositivo flagrantemente discriminatório ao determinar a obrigatoriedade do regime de separação de bens para pessoas com mais de 70 anos.

No artigo assinado pelo professor Zeno Veloso já citado por mim aqui, publicado na Revista do IBDFAM, o jurista faz um apanhado sobre a visão de renomados civilistas acerca do tema. Em seu texto, Zeno Veloso cita, por exemplo, Paulo Luiz Netto Lôbo, para quem também a referida obrigatoriedade é atentatória ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana “por reduzir sua autonomia como pessoa e constrangê-la à tutela reducionista, além de estabelecer restrição à liberdade de contrair matrimônio, que a Constituição não faz.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto; AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2003, v. XVI, p. 242). Para ele, “a idade avançada, por si só, não é geradora de incapacidade civil; a norma do art. 1.641, inciso II, é preconceituosa, na medida em que veda o direito ao amor, ao afeto matrimonial e à expressão plena dos sentimentos da pessoa idosa.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil – Famílias. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 297).

Zeno Veloso também se baseia, em seu artigo, na tese de Caio Mário da Silva Pereira, para quem o art. 1.641, inciso II, do Código Civil não encontra justificativa econômica ou moral, “pois que a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão para subsistir (…). Se é certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nestas faixas etárias, certo também que em todas as idades o mesmo pode existir. Trata-se de discriminação dos idosos, ferindo os princípios da dignidade humana e da igualdade” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Direito de família. 24. ed. rev. e atual. por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. V, n. 400, p. 226).

A análise do tema deixa claro que a doutrina brasileira, felizmente, tende a considerar, quase que à unanimidade, a inconstitucionalidade do Art. 1.641, inciso II, do Código Civil por impor o regime da separação obrigatória no casamento de pessoas idosas. Faz-se importante frisar, também, que o regime obrigatório da separação de bens se aplica tão somente ao casamento e não à união estável, entendimento do qual também comungava o professor Zeno Veloso. Ou seja, no regime da união estável, não se aplica a norma restritiva, objeto de análise deste artigo.

Avalio que esses cenários demonstram um amadurecimento da própria sociedade. Tal matéria, há poucas décadas atrás, sequer despertaria o interesse das pessoas. Se hoje os idosos não são enxergados como seres autônomos e plenos de vontade, a até pouco tempo, eram ainda mais tidos como pesos humanos sem qualquer direito de escolha em relação às suas vidas.

A legislação brasileira protege as pessoas que não possuem discernimento para a tomada de decisão quanto aos atos de sua vida. Para esses casos, existem instrumentos legais, como a própria interdição. Mas aqui estamos falando de pessoas com mais de 70 anos em pleno gozo de suas faculdades mentais e aptos a dar e receber afeto. “A associação da velhice à debilidade intelectual é equivocada e não pode ser presumida de forma absoluta, como prescreve a lei. Ninguém se torna incapaz exclusivamente por causa da idade avançada. Casamentos por interesses patrimoniais podem existir em todas as idades. Deslumbramentos e paixões descontroladas podem atingir a todos. A senilidade não pode ser presumida, principalmente sem admitir prova em sentido contrário.” (FERRIANI, Adriano. A obrigação de casar no regime da separação de bens por causa da idade. Portal Migalhas, 2012. Disponível em

O médico Alexandre Kalache, especialista em envelhecimento, disse, em entrevista, que “quando a gente vivia até os 50 ou 60 anos, a vida era uma corrida de cem metros. Hoje, a vida é uma maratona” (KALACHE, Alexandre. O brasileiro é preconceituoso com a velhice. Portal GZH, 2016. Disponível em

Na maratona de nossas vidas, cabe a nós mesmos definir o melhor percurso e o ritmo mais seguro até a chegada. Envelhecer é uma dádiva! Todos nós queremos envelhecer, porque isso significa ter mais tempo para realizar nossos sonhos e usufruir do que plantamos ao longo do caminho. Mas, sempre com autonomia.

“Fundamental é mesmo o amor. É impossível ser feliz sozinho.”

(Tom Jobim)

Maria Luiza Póvoa Cruz

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Juíza aposentada. Advogada especializada em Direito de Família. Autora de Separação, Divórcio e Inventário por Via Administrativa (Editora: Del Rey); e coautora de Código das Famílias Comentado e Guarda Compartilhada (Editora Método), dentre outros.

Publicado originalmente no jornal O Popular (clique aqui)

Nós, brasileiros, temos inúmeros motivos para nos preocupar com a situação atual do país, seja ela de ordem sanitária, política ou econômica. Nunca nossas feridas estiveram tão expostas. Mas também temos inúmeros motivos para agradecer. Nosso povo é alegre, caloroso e trabalhador, nossa natureza e riquezas naturais são incomparáveis e nós temos um Sistema Único de Saúde. Um sistema criado pela Constituição Federal de 88, que abrange todo o território nacional e que, desde setembro de 1990, garante que todos os brasileiros tenham acesso à saúde de forma integral, gratuita e universal.

Sem dúvida, o SUS é uma das maiores conquistas sociais do último século, assim reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo a única solução para 7 em cada 10 brasileiros que precisam de serviços em saúde, desde a atenção primária, com acompanhamento de pacientes com disfunção de pressão arterial, até transplantes complexos. Merece destaque, aqui, a contribuição impar do médico Hésio de Albuquerque Cordeiro, que nos deixou ano passado, reconhecido como o homem que lançou as bases do SUS, tendo, portanto, lugar cativo na história da saúde coletiva brasileira.

O Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, no qual 96% dos procedimentos são realizados pelo Sistema. O SUS é essencial na produção e distribuição de medicamentos para cerca de 900 mil brasileiros portadores de HIV e tem o maior programa de imunização do planeta, com cerca de 300 milhões de doses incluídas no Calendário Nacional de Vacinação, protegendo brasileiros de mais de 20 doenças. Se ainda não estamos todos vacinados contra a Covid-19, estejam certos, não é responsabilidade do SUS.

No contexto da pandemia da Covid-19, um desafio complexo e com dimensões planetárias, a relevância do SUS, no Brasil, torna-se ainda mais evidente, e mesmo com todos os problemas e dificuldades de toda ordem, sem o SUS, milhões não teriam tido a menor chance.

Além da continental estrutura física, o SUS conta com uma admirável, tocante e grandiosa força de trabalho. São cerca de 4 milhões de trabalhadores da saúde, entre enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, odontólogos, técnicos e auxiliares, maqueiros, motoristas de ambulância, trabalhadores dos serviços de limpeza, de alimentação e manutenção de equipamentos, e os prestadores de serviços de sepultamento e cremação. Esse exército da paz. tem desempenhado papel fundamental no enfrentamento à Covid-19, sem trégua, mesmo diante da sobrecarga de trabalho, do alto risco de contágio, do medo, da saudade, da dor e da pressão.

A eles, a minha homenagem!

A eles, a minha gratidão!

A eles, o meu desejo de que isso tudo passe e que voltem às suas famílias!

A eles, o meu mais profundo respeito e admiração!

Vida longa a todos!

Vida longa ao SUS!

Maria Luiza Póvoa Cruz é juíza aposentada e advogada

Publicado originalmente no jornal O Popular (clique aqui)

Basta a vontade de um dos cônjuges. Independentemente de prova, lapso temporal, ou qualquer condição, o divórcio passou a depender somente da vontade dos cônjuges a partir da Emenda Constitucional n. 66/2010, que deu nova redação ao parágrafo 6º do Artigo 226 da Constituição Federal de 1988 – o que configura o chamado Direito Potestativo, sobre o qual não cabe qualquer discussão.

Dez anos depois desta Emenda que reconheceu a autonomia dos cônjuges para a extinção do vínculo conjugal, o princípio da intervenção mínima do Direito de Família tem sido cada vez mais observado nos tribunais do País. O entendimento dos magistrados brasileiros, que faz do País um dos mais progressistas do mundo nesta seara, é que as partes não precisam alegar motivos nem imputar culpas para a dissolução do casamento.

Tão importante quanto é a instituição do divórcio liminar, que pode ser admitido antes mesmo da citação da parte adversa. Já que o divórcio passou a ser concebido como direito potestativo incondicionado e extintivo, não faz sentido esperar por um trâmite que pode se arrastar por meses e ainda obstruir o Judiciário. O entendimento jurídico é que se a parte autora já se manifestou pelo divórcio, não se justifica fazê-la esperar até o trânsito em julgado para se ver divorciada.

É o que ilustra caso recente no Tribunal de Justiça de Goiás, ocorrido no mês de agosto, no qual o juiz entendeu que não havia “justificativa plausível para o não acolhimento da pretensão de decretação liminar do divórcio das partes litigantes, na medida em que a dissolução do casamento não causará qualquer tumulto processual, nem prejudicará a posterior apreciação dos pedidos de partilha de bens e alimentos”.

Este tipo de decisão, ancorada no Código Civil e na súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça, que permitem a concessão do divórcio sem que haja prévia partilha de bens ou discussão de outros aspectos, como alimentos, tem se tornado cada vez mais frequente. A jurisprudência, nestes casos, tem sido guiada, desde que observada as condições para tal, pelo interesse na celeridade na dissolução do casamento. Deste modo, a tutela do Estado sobre o casal torna-se cada vez menor, um caminho sem volta no qual o Brasil deu seus primeiros passos em 1977, quando foi admitido o divórcio no País, com o advento da Emenda Constitucional do Divórcio (EC 9/77) e da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77).

O marco da união estável como entidade familiar foi a Constituição Federal de 1988. Após, no afã de dar plena eficiência ao exercício de direitos, o legislador editou a Lei nº 8.971/94 e a Lei nº 9.278/96.

Foi tempo de paz. O juízo das varas de família, nos julgamentos, davam a proteção legal para os companheiros observando a razoabilidade, conforme os direitos já garantidos aos cônjuges.

Porém, o Código Civil de 2002 mudou o tempo, desafinou com a Constituição e as leis, trouxe retrocesso a quem vive em união estável. Seu único artigo sobre o direito sucessório do companheiro (1.790) feriu os princípios constitucionais da dignidade e da igualdade de quem é figura relevante para entidade familiar brasileira atual.

O local onde o Código situou o companheiro anuncia a desigualdade: no Título “Da Sucessão em Geral”; quando deveria estar no Capítulo da Ordem de Vocação Hereditária, ao lado do cônjuge (artigo 1.829).

O cônjuge é a estrela do direito sucessório. Tem status de herdeiro concorrente com os descendentes (condicionado ao regime matrimonial), com os ascendentes (independente de regime matrimonial); e, se ausentes, herda na totalidade. É, ainda, herdeiro necessário (artigo 1.845), não pode ser afastado da herança, salvo por indignidade ou deserdação.

Quanto ao companheiro, o legislador lhe privou dos direitos conquistados. Ele, para herdar, percorre toda Ordem da Vocação Hereditária, concorrendo com os descendentes; na ausência desses, com ascendentes e colaterais. Ainda, há o limite aos bens onerosos, adquiridos na vigência da união, e um sistema de fixação das quotas hereditárias em supremacia aos vínculos sanguíneos.

A desigualdade não se justifica, mas se explica.

O projeto do Código Civil atual é de 1975, e o anterior a ele não protegia a união estável em lugar algum. Dessa forma, trazê-la para o Código Civil, mesmo em desvantagem, era avanço. Mas a Constituição de 1988 andou mais rápido, adiantou os passos, igualou o companheiro ao cônjuge. Aí, em 2002, o artigo 1.790 do Código Civil nasceu velho.

Felizmente, magistrados, numa visão civil constitucional do ordenamento jurídico, têm afastado a aplicabilidade do artigo 1.790 do Código Civil, pela flagrante violação aos princípios constitucionais mencionados. Entretanto, há os aplicadores do direito que, sob uma ótica civilista, entendem que a não aplicação do artigo 1.790 do Código Civil faria julgados contra legem.

Se o julgador for constitucionalista, o companheiro poderá herdar como o cônjuge; se for civilista, herdará só os bens onerosos, sob a “mira” do artigo 1.790 – terreno movediço.

Com respeito às opiniões contrárias, é necessária uma visão principiológica do intérprete da lei para afastar de pronto a aplicabilidade do artigo 1.790, trazer a paz ao jurisdicionado e ao ordenamento jurídico.

Significa superar a letra fria da lei, herança do positivismo, para fazer valer os princípios, cada vez mais revestidos de força normativa imprescindível para a aproximação do ideal de Justiça, e que a Constituição elegeu como fundamentais.

A Constituição de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana – vértice do Estado Democrático de Direito – como princípio fundamental, e estabeleceu como objetivo fundamental “promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV)”.

Ora, união estável e casamento sedimentam-se na vontade, afeto e comunhão de vida.

Diferenciam-se pelo modo de formação, nada mais. Assim, nas sucessões, ao companheiro deve-se aplicar o regime jurídico do cônjuge, em igualdade.

O tratamento desigual para a sucessão do companheiro pode e deve ser solucionado pela jurisprudência e doutrina, no andar dos valores da sociedade; até que as alterações legislativas aprimorem o texto legal.

E aqui fica o registro: quando o legislador claudica, o ônus recai sobre o julgador. De consequência, ao jurisdicionado, resta o dissabor.

Maria Luiza Póvoa Cruz
Juíza aposentada; advogada do Escritório Maria Luiza Póvoa Cruz & Advogados Associados; presidente do Ibdfam-GO