Confira a íntegra do artigo assinado pela advogada e sócia-fundadora do escritório MLPC e Advogados Associados
Violência de gênero: basta
A violência contra a mulher decorre, muitas vezes, de preconceitos e intolerâncias culturais que perpassam a desigualdade entre os sexos e questões religiosas. O assassinato é a expressão máxima dessa violência e, quando praticado contra a mulher, é definido como feminicídio. Na maioria dos casos, as mortes decorrem de um processo de violência contínua, incluindo agressões físicas e psicológicas por pessoas próximas às vítimas.
No Brasil, a aprovação do projeto de lei que altera o Código Penal (Lei 13.104), que se junta à Lei 8.072, colocando o feminicídio como circunstância qualificadora de homicídio e no rol dos crimes hediondos, ocorreu em março deste ano. A normativa colocou o Brasil o na 16ª posição no ranking dos países da América Latina que aprovaram leis para combater esse tipo de dolo.
Segundo a Lei 13.104, são entendidos como feminicídio os casos que envolvem violência doméstica e familiar, menosprezo e discriminação à condição de mulher, cuja pena é de 12 a 30 anos de reclusão. O crime é inafiançável e a penalidade não pode ser reduzida. A punição é aumentada em um terço à metade, se o crime for praticado durante a gestação ou nos três primeiros meses após o parto, se for contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência física, ou na presença dos filhos ou pais da vítima.
A expectativa é de que a tipificação venha auxiliar na evidenciação dos crimes de gênero e na sua classificação. A eficácia do registro das informações sobre as vítimas nos boletins de ocorrência, nos laudos dos IML e inquéritos policiais ajudará na adoção de medidas mais severas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a estimativa de feminicídios ultrapassou 50 mil óbitos, aproximadamente 5 mil mortes por ano, entre 2001 e 2011. A maioria desses crimes tem ligação com a violência doméstica e familiar contra a mulher, pois cerca de um terço ocorreu em domicílios.
O Mapa da Violência de 2012, produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latinoamericanos (Cebela), colocou o Brasil no 7º lugar com maior número de assassinatos de mulheres no mundo, em uma escala que analisou casos de 84 países. A cada ano são registrados em torno de 4,5 homicídios para cada 100 mil mulheres. Só nos últimos 30 anos, foram assassinadas cerca de 92 mil mulheres, sendo 43,7 mil na última década.
Todos esses chocantes dados denotam a necessidade de se reforçarem as ações penais previstas na legislação em vigor com políticas públicas eficazes. É preciso trazer a tipificação do feminicídio à luz da sociedade para que haja o enfrentamento de fato à violência contra a mulher, a efetiva proteção das vítimas e a redução da desigualdade de gênero no Brasil. A sensibilização do poder público é o primeiro passo para um basta na violência de gênero.
Maria Luiza Póvoa Cruz é advogada e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em Goiás (Ibdfam-GO)